quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ensaio Amazônico: De Euclides da Cunha à Contemporaneidade. Por Willian Rocha

Hoje posto a primeira colaboração no meu blog. O artigo escrito por *Willian Rocha (@w_rocha)


INTRODUÇÃO

A Amazônia, "ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma literatura inestimável, de numerosas monografias, mostram-no-la sob incontáveis aspectos parcelados. A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa.” (CUNHA, 1994). Escreveu o ilustre escritor brasileiro Euclides da Cunha, no inicio do século XX, quando nomeado chefe da comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto-Purus, com o objetivo de demarcar limites entre o Brasil e o Peru. Mais de cem anos se passaram desde que Euclides esteve nessa região e o excerto acima ainda se mostra evidente.
Euclides dava a “Amazônia uma visão de constante mutação, de construção inacabada, uma espécie de página incompleta do Gênesis” (PONTES, 2005). Essa página incompleta e quase esquecida a qual Euclides referencia a Amazônia encontra-se ainda no imaginário ocidental desde o século XVIII como uma área de fronteira marcada pela idéia de espaço vazio. Tal compreensão permanece até os dias atuais, tanto nas concepções dos indivíduos que migram para esse território quanto para os tomadores de decisão que operam nas políticas públicas.

REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE FRONTEIRA

Fronteira em seu conceito amplo, diz respeito a uma determinada área de duas partes distintas. Tal conceito foi ao longo da história se consolidando e tanto no período das monarquias nacionais, quanto da Paz de Westphália, o estabelecimento e delimitação do alcance do poder do Estado necessitavam de uma maior exatidão. No entanto, essa fronteira pode representar muito mais que uma mera divisão ou unificação de partes. Esse conceito pode representar também, o nível de autonomia e soberania de um Estado sobre o outro, dois regimes políticos e/ou ideológicos, duas formas de organização e o que a fronteira que se buscará explicar neste trabalho exemplifica: o de duas realidades distintas.
Atrelado, e muitas vezes sinônimo ao conceito de fronteira, o conceito de limite é comumente utilizado. Entretanto, cabe diferenciação. A fronteira, no seu sentido amplo marca e coloca o outro lado como o diferente, ou seja, como o começo do novo, pode-se assim dizer. Já o limite, designa o fim do controle de uma determinada unidade político-territorial. Em outras palavras, fronteira diz respeito a uma ordem e/ou demarcação natural, geométrica e até mesmo arbitrária, ou seja, de integração, todavia, o limite é uma abstração como fator de separação.
A fronteira amazônica descrita por Euclides da Cunha ia muito além de uma delimitação geográfica e alcançava os níveis de análise sócio-antropológicos. Pensar em Amazônia na perspectiva Euclidiana é pensar em uma Fronteira do desconhecido, do incerto, do portentoso e principalmente, do social. A expedição do autor pela região, que tinha como objetivo principal a demarcação de fronteiras, acabou resultando em uma valiosa e profunda análise social da região.
Euclides da Cunha pode ser considerado como um missionário do progresso. Da mesma forma com a qual desejou integrar o Sertão nordestino à vida nacional, assim o fez em relação à Amazônia. O autor propôs a recuperação do rio Purus (para torná-lo melhor navegável), a construção de uma estrada de ferro - a Transacreana - que seria capaz de espalhar frentes de colonização e proteger as fronteiras do país. Além do mais, incitou sempre em seus escritos, a integração da Amazônia ao resto do país e que tal integração não se desse apenas territorialmente, mas de fato, levando o desenvolvimento a essa região. Neste sentido, Euclides pode ser visto como um precursor de idéias e projetos que foram implementados, com ou sem sucesso, anos mais tarde, como a Madeira-Mamoré, o IBGE, e, até mesmo, a Calha-Norte. Tal integração da Amazônia ao Brasil proposta por Euclides, colocava a região na agenda de Política Externa do Brasileira, o que até hoje se apresenta como fundamental para o resguardo da soberania.
Atualmente, o intento de levar desenvolvimento à região remete aos tempos do escritor e mesmo com inúmeras políticas para a região, tal efetiva integração até os dias de hoje mostra-se se como algo almejado, tanto quanto um grande desafio. Cabe notar que os escritos do autor acerca dos problemas da Amazônia revestem-se de contemporaneidade. Algumas questões por ele expostas, como o abandono da região e a “porosidade das fronteiras como ao agravamento da situação social” (PONTES, 2005) demonstram ainda, temas básicos de reflexão e entendimento da região. Euclides da Cunha pensou sob a ótica da Diplomacia fatores e premissas estratégicas que se relacionavam a ação do poder público na região. Fato esse que deve ser entendido e tido como referência ao analisar não só a região do Alto-Purus, onde o escritor esteve, mas a Hiléia de modo geral.
Dentre inúmeros processos e viés de integração da região, em especial do Alto Purus foi em 2009 que foi dado um passo importante na história da região. Uma proposta de integração econômica e comercial entre as regiões do Alto-Juruá e Alto-Purus[1], entre Brasil e Peru, fazendo do Rio Purus uma alternativa de escoamento para produção de ambos países. Cem anos depois da passagem de Euclides pela região, uma integração efetiva e mediada pelo Ministério das Relações Exteriores parece acenar na direção já proposta pelo escritor para a região.
O entendimento proposto por Euclides da Cunha retratando a Amazônia sob o viés historiográfico, permitiu uma leitura renovada dos problemas de fronteira, de integração física e de inclusão social, dando ênfase, assim, a importância dessas três dimensões para a formulação da Política Externa brasileira da época. Tais dimensões devem servir de base ao analisar a região, que, resguardando as riquezas naturais, apresenta o fator social e humano como peça chave da interação que leva ao desenvolvimento; e é exatamente nesses múltiplos cenários que impõe, como desafio, o desvendar de cada fragmento da história da Região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Amazônia hoje se tornou fundamentalmente um espaço-chave para o prosseguimento da aventura humana no planeta Terra, e com ela inúmeras formas da biodiversidade cuja evolução desencadeou. A região, muito antes da dramaticidade que alcançou, teve vários momentos de elaboração, análise e crítica, na história da ciência e da cultura, em particular na chamada literatura dos viajantes, dos cronistas aos naturalistas românticos, e destes aos primeiros ficcionistas. Todos a seu modo tentaram representar o sublime daquela paisagem, em seu desmesuramento de real-maravilhoso que guarda igualmente os segredos do deslumbre e do fantástico. Euclides da Cunha, depois do sucesso estrondoso de sua narrativa acerca da tragédia sertaneja de Canudos, foi um dos primeiros escritores latino-americanos modernos a encarar o desafio de 'escrever a Amazônia’.
Euclides julgava imparcial a marcha do progresso, da civilização e do desenvolvimento, que traria a absorção do indígena e do sertanejo em detrimento do avanço unicamente das ‘raças’ e ‘culturas’ tidas como superiores. Os sertões, quer nordestinos, quer amazônicos, eram e são tidos como desertos, espaços fora da escrita. Ao explorar a caatinga e a floresta e resgatar o sertanejo e o seringueiro do esquecimento, o escritor procurava integrar os sertões e a floresta à escrita e à história, cujos limites e fronteiras estariam em constante expansão. Para Euclides, fora da escrita, da história e do conseqüente desenvolvimento, “não há salvação, só existe o deserto” (CUNHA, 1994). O discurso etnográfico e por vezes sócio-antropológico do autor sobrepunha inclusive as fronteiras nacionais, como visto em seus escritos sobre a política internacional da época.
Mais de Cem anos depois da passagem de Euclides pela Amazônia a região mostra-se em estado semelhante, seja do ponto de vista de seu espaço e, seja ao mesmo tempo, tão dispare quando se pensa na pluralidade de culturas, naturezas e sociedades aqui existentes. Testemunho de seu tempo, o autor no inicio do século XX já abordava a importância da Amazônia no contexto internacional e destacava a relevância em integrar a região ao Brasil, efetivando assim, uma política exterior voltada para a região, resguardando a soberania e podendo levar ao desenvolvimento.



[1] Agência de Notícias do Acre. Alfândega Provisória no Alto Purus inaugura nova rota comercial Brasil-Peru. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=9011&Itemid=139 . Acesso: 10 / 10 / 2009


*Willian Rocha (@w_rocha) 
Internacionalista
Diretor do Grupo de Ação pelo Desenvolvimento - GADE
Articulação Local do Programa de Voluntários das Nações Unidas - UNV

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